domingo, 11 de outubro de 2015

748 - «ABDICAÇÃO» FERNANDO PESSOA

748

      ABDICAÇÃO

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
                                     Eu sou um rei
Que voluntáriamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.


Minha espada, pesava a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa -- eu os deixei
Na antecãmara, feita em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas, de um tinir tão fútil
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.1

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado
Sinto a saudade mais perto.2


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1  Publ. in Ressurreição, 9, Fevereiro de 1920
2  Publ. in Renascença, Lisboa, 1919


FERNANDO PESSOA

sábado, 10 de outubro de 2015

747 - «AQUELE QUE PROCUROU» ANA HATHERLY

747

«AQUELE QUE PROCUROU»

Aquele que procurou
E não encontrou,
É o homem desiludido.
Aquele que procura
E tudo encontra
E nada pode fazer do que achou,
É mais que infeliz:
Sabe a verdade.

ANA HATHERLY