domingo, 20 de dezembro de 2015

754 «TU ES A ESPERANÇS» EUGÉNIO DE ANDRADE

754

«TU ÉS A ESPERANÇA»

Tu és a esperança, a madrugada,
Nasceste nas tardes de setembro
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser nada.
Esperança minha onde meus olhos bevem,

fundo. como quem bebe a madrugada.

                                   (Antologia Breve)

EUGÉNIO DE ANDRADE



sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

753 - «PASSADO, PRESENTE, FUTURO» JOSÉ SARAMAGO

753

PASSADO, PRESENTE, FUTURO

Eu fui. Mas o que fui já não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam (véus)
Os meus quarenta rostos desiguais,
Tão rasgados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão é:
Rã do charco  fugida que saltou,
E no salto que deu, como podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver (ou não falta) o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

JOSÉ SARAMAGO

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

752 »ENCRUZILHADA DO SEM« SALETTE TAVARES

752

          ENCRUZILHADAS DE SEM


Sem pranto          sem campo          sem vento
sem foz                sem paz               sem luz
sem trégua           sem mágoa          sem água
sem voz               sem guerra           sem terra
sem cor               sem dor                sem flor
sem memória      sem grande           sem espera
sem canto           sem planta            sem rosa
sem glória           sem sangue           sem hera
de espanto          sem filho               sem brilho
não era               ficara                     morrera.
                           
                                           (Quadrada)

SALETTE  TAVARES