linguacurta
sábado, 19 de março de 2016
domingo, 20 de dezembro de 2015
754 «TU ES A ESPERANÇS» EUGÉNIO DE ANDRADE
754
«TU ÉS A ESPERANÇA»
Tu és a esperança, a madrugada,
Nasceste nas tardes de setembro
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser nada.
Esperança minha onde meus olhos bevem,
fundo. como quem bebe a madrugada.
(Antologia Breve)
EUGÉNIO DE ANDRADE
«TU ÉS A ESPERANÇA»
Tu és a esperança, a madrugada,
Nasceste nas tardes de setembro
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser nada.
Esperança minha onde meus olhos bevem,
fundo. como quem bebe a madrugada.
(Antologia Breve)
EUGÉNIO DE ANDRADE
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
753 - «PASSADO, PRESENTE, FUTURO» JOSÉ SARAMAGO
753
PASSADO, PRESENTE, FUTURO
Eu fui. Mas o que fui já não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam (véus)
Os meus quarenta rostos desiguais,
Tão rasgados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão é:
Rã do charco fugida que saltou,
E no salto que deu, como podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver (ou não falta) o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
JOSÉ SARAMAGO
PASSADO, PRESENTE, FUTURO
Eu fui. Mas o que fui já não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam (véus)
Os meus quarenta rostos desiguais,
Tão rasgados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão é:
Rã do charco fugida que saltou,
E no salto que deu, como podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver (ou não falta) o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
JOSÉ SARAMAGO
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
752 »ENCRUZILHADA DO SEM« SALETTE TAVARES
752
ENCRUZILHADAS DE SEM
Sem pranto sem campo sem vento
sem foz sem paz sem luz
sem trégua sem mágoa sem água
sem voz sem guerra sem terra
sem cor sem dor sem flor
sem memória sem grande sem espera
sem canto sem planta sem rosa
sem glória sem sangue sem hera
de espanto sem filho sem brilho
não era ficara morrera.
(Quadrada)
SALETTE TAVARES
ENCRUZILHADAS DE SEM
Sem pranto sem campo sem vento
sem foz sem paz sem luz
sem trégua sem mágoa sem água
sem voz sem guerra sem terra
sem cor sem dor sem flor
sem memória sem grande sem espera
sem canto sem planta sem rosa
sem glória sem sangue sem hera
de espanto sem filho sem brilho
não era ficara morrera.
(Quadrada)
SALETTE TAVARES
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
750- "INTERVALO" FERNANDO PESSOA
750
INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só que é segredado? ...
Quem to disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo,
Não um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei ?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente ?
Foi um desejo que, sem corpo nem boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca --
A que as deusas esperam de ledisse
Com que o Olimpo se apouca. 1
1917(?)
Publ. in Momento, nº.8, Lisboa, Abril de 1935
FERNANDO PESSOA
INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só que é segredado? ...
Quem to disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo,
Não um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei ?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente ?
Foi um desejo que, sem corpo nem boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca --
A que as deusas esperam de ledisse
Com que o Olimpo se apouca. 1
1917(?)
Publ. in Momento, nº.8, Lisboa, Abril de 1935
FERNANDO PESSOA
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
749-«TÉDIO» FERNANDO PESSOA
749
TÉDIO
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas
E o meu mal é ser (alheio Cristo)
Nestas horas doloridas e serenas
Completamente consciente disto.
Ó naus felizes, que do mar vago
Volveis enfim ao silêncio do porto
Depois de tanto nocturno mal --
Meu coração é um morto lago,
E é à margem triste do lago morto
Sonha um castelo medieval...
E nesse, onde sonha, castelo triste,
Nem sabe saber a, de formosas
Sem gesto ou cor, triste castelã
Que um porto além rumoroso existe,
Donde as naus negras e silenciosas
Se partem quando é no mar manhã...
Nem sequer sabe que há o, onde sonha,
Castelo triste... Seu ´spirito monge
Para nada externo é perto e real...
E enquanto ela assim se esquece, tristonha,
Regressam , velas no mar ao longe,
As naus ao porto medieval...
(10-6-1910)
FERNANDO PESSOA
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas
E o meu mal é ser (alheio Cristo)
Nestas horas doloridas e serenas
Completamente consciente disto.
Ó naus felizes, que do mar vago
Volveis enfim ao silêncio do porto
Depois de tanto nocturno mal --
Meu coração é um morto lago,
E é à margem triste do lago morto
Sonha um castelo medieval...
E nesse, onde sonha, castelo triste,
Nem sabe saber a, de formosas
Sem gesto ou cor, triste castelã
Que um porto além rumoroso existe,
Donde as naus negras e silenciosas
Se partem quando é no mar manhã...
Nem sequer sabe que há o, onde sonha,
Castelo triste... Seu ´spirito monge
Para nada externo é perto e real...
E enquanto ela assim se esquece, tristonha,
Regressam , velas no mar ao longe,
As naus ao porto medieval...
(10-6-1910)
FERNANDO PESSOA
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