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INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só que é segredado? ...
Quem to disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo,
Não um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei ?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente ?
Foi um desejo que, sem corpo nem boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca --
A que as deusas esperam de ledisse
Com que o Olimpo se apouca. 1
1917(?)
Publ. in Momento, nº.8, Lisboa, Abril de 1935
FERNANDO PESSOA