segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

639 - HOMENAGEM A PIERO DELLA FRANCESCA

639

HOMENAGEM A PIERO DELLA FRANCESCA
                       
                         I

Sinto de repente tudo nu.
É como se o silêncio se partisse
em estátua poderosas e sem sombra
ecoando a longa história, interrompida
por nós e pelo mundo.

                         II

Intacta -  só a voz. O corpo é outro.
O corpo muda sempre, como os dias.
Só o sol é fixo, embora tudo
sustente tudo.

                       III

Um silêncio,
uma incidência súbita da luz,
um movimento misteriosamente
nascido do corpo adormecido,
acordam de repente a voz do tempo --
o abismo de música e de morte
que me faz sentir total a voz dos deuses,
e a sua febre, que é este mundo.

                    IV

Não prendes sem dor mortal
o voo largo do mundo.

Teu silêncio repercute.

Tuas mãos tocaram tudo.
 
                           V

A neve é perfeita  -- como a morte
fala pelos lábios daqueles que escolheu,

até os anjos dizerem as manhãs

                  VI

Quem me destruiu dando-me ao tempo
que venha buscar-me e me devolva
aonde se cumpria
inteiro, o meu destino

                    VII                  

A beleza mergulha as raizes noutra noite
que se desprende intacta doutro dia


ALBERTO DE LACERDA


                         





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