sexta-feira, 19 de setembro de 2014

547 - »A QUEDA» MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

547

      A QUEDA

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixa-la
E giro até partir ... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço  d´ouro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremeço ...
Eu morro de desdém  em frente, dum tesouro,
Morro à mingua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços d´alma  -- e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra  -- em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
--  Vencer às vezes é o mesmo que tombar  --
E como ainda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

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Tombei

         E fico só esmagado sobre mim!...

                                                    Paris  1913 -- Maio 8.

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

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