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CESÁRIO VERDE -- VIDA E OBRA
Nasceu em Lisboa, em 1855, e morreu em 1886. A sua vida passou-se entre os negócios paternos, um curso de Letras iniciado,
como diz o seu amigo e prefaciador Silva Pinto, «em homenagem ás Letras, como se as Letras lá estivessem [... ]», e curtas viagens a Paris e Londres, sempre dilacerado pelo terror da morte, que sentia próxima.
Em 1887 faz-se das suas obras dispersas uma colectânea a que é dado o título O Livro de Cesário Verde, com uma tiragem simbólica de duzentos exemplares, que não chegarão a ser postos no mercado. Apenas em 1901 se faz uma edição póstuma, organizada e prefaciada por Silva Pinto, e esta, sim, é comercializada.
Apesar de não ter vivido o tempo suficiente para nos deixar um
espólio literário considerável, Cesário permanece, talvz até por isso, como um caso ímpar na geração de realistas e parnacianos, sem antecedentes, nem continuadores.
Ele é a expressão poética das aspirações, sonhos e conflitos da pequena burguesia lisboeta.
Lisboa é analizada através dos que nela vivem e dos que nela apenas conseguem sobreviver. As varinas que «embalam nas canastras os filhos», os calceteiros de «costados como lajões», as burguesinhas, os operários, o clero e a Guarda.
Na sua poesia, Cesário retrata e retrata-se, assumindo sem tibieza posições radicais, que eram afinal as da sua classe pequeno-burguesa antimilitarista - «e eu que detesto a farda/cresci com raiva contra o militar»--, republicana e anticlerical -- «uma chusma
de padres de batina»..
Também a corrente simbolista exerceu nele notável influência.
bem expressa na poesia «Num bairro moderno», onde o de horta»
da giga da hortaliceira se vai desdobrando num mundo fantasmagórico e grotesco de rostos, ossos, seios e sangue.
A temática sensualista de Cesário, que declara «e tangem-me,
excitados, sacudidos,/o tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!»
está presente em todas as suas posias, pelo menos de forsuama latente.
Homem de vida pouca, apercebendo-se de que havia que fruir dela
intensamente, já que o tempo urgia, transmite à sua obra a força dum pacto secreto celebrado com a vida, pcto esse descoberto no
quotidiano, que em Cesário é fonte de sonho e ponte de e para a
poesia.
Como poeta do quotidiano, também a sua linguagem poética
procura, na coloquial, matéria-prima.Manejando soberbamente o
adjectivo e o advérbio (nisso só Eça se lhe compara), consegue uma
feliz imagística que não pode buscar na lógica a sua explicação e que é uma descoberta de novas possibilidades de utilização da
linguagem.
Quando o autor nos relata um «um cheiro» como «salutar e honesto» ou se queija da sua «quimera azul de transmigrar» está não só a criar como a reinventar, descobrindo na Língua, património colectivo, novas formas de dizer.
Esse trabalho tem, no entanto, muito poco de espontâneo, já
que, segundo afirma -- «apuro-me a lançar originais exactos/os
meus alexandrinos [...]» --, há em toda a sua poesia um louvável
trabalho artesanal.
Aqui fica o livro de Cesário Verde. Que o leitor nele possa
encontrar a sátira e a denúncia dos dramas quotidianos e a beleza
de estar vivo e sabê-lo.
A JORGE VERDE a)
Aqui deponho em suas mãos e debaixo de seus lábios o livro de
seu irmão. A minha - obra - terminou no dia em que ele saiu da
nossa doce amizade para a nossa terrível amargura: morri, meu
querido Jorge -- deixe-me chamar assim ao irmão do meu querido
Cesário; morri para as alegrias do trabalho, para as esperanças
nos enganos doces! O desmoranamento fez-se, a um tempo, no
espírito e no coração! Dos restos do passado deixe-me oferecer-lhe
a dedicação extremada; peça-me o sacrifício: e, quando, no decorrer da vida, se lembrar de nós, tenha esse pensamento consolador:
«A grande alma de meu irmão soube impor-se a um coração
endurecido»; e tenha estoutro pensamento: «Mas não estava de
todo endurecido o coração que soube amá-la.»
Adeus, meu querido Jorge!
a) Irmão mais velho de Cesário Verde
CESÁRIO VERDE -- VIDA E OBRA
Nasceu em Lisboa, em 1855, e morreu em 1886. A sua vida passou-se entre os negócios paternos, um curso de Letras iniciado,
como diz o seu amigo e prefaciador Silva Pinto, «em homenagem ás Letras, como se as Letras lá estivessem [... ]», e curtas viagens a Paris e Londres, sempre dilacerado pelo terror da morte, que sentia próxima.
Em 1887 faz-se das suas obras dispersas uma colectânea a que é dado o título O Livro de Cesário Verde, com uma tiragem simbólica de duzentos exemplares, que não chegarão a ser postos no mercado. Apenas em 1901 se faz uma edição póstuma, organizada e prefaciada por Silva Pinto, e esta, sim, é comercializada.
Apesar de não ter vivido o tempo suficiente para nos deixar um
espólio literário considerável, Cesário permanece, talvz até por isso, como um caso ímpar na geração de realistas e parnacianos, sem antecedentes, nem continuadores.
Ele é a expressão poética das aspirações, sonhos e conflitos da pequena burguesia lisboeta.
Lisboa é analizada através dos que nela vivem e dos que nela apenas conseguem sobreviver. As varinas que «embalam nas canastras os filhos», os calceteiros de «costados como lajões», as burguesinhas, os operários, o clero e a Guarda.
Na sua poesia, Cesário retrata e retrata-se, assumindo sem tibieza posições radicais, que eram afinal as da sua classe pequeno-burguesa antimilitarista - «e eu que detesto a farda/cresci com raiva contra o militar»--, republicana e anticlerical -- «uma chusma
de padres de batina»..
Também a corrente simbolista exerceu nele notável influência.
bem expressa na poesia «Num bairro moderno», onde o de horta»
da giga da hortaliceira se vai desdobrando num mundo fantasmagórico e grotesco de rostos, ossos, seios e sangue.
A temática sensualista de Cesário, que declara «e tangem-me,
excitados, sacudidos,/o tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!»
está presente em todas as suas posias, pelo menos de forsuama latente.
Homem de vida pouca, apercebendo-se de que havia que fruir dela
intensamente, já que o tempo urgia, transmite à sua obra a força dum pacto secreto celebrado com a vida, pcto esse descoberto no
quotidiano, que em Cesário é fonte de sonho e ponte de e para a
poesia.
Como poeta do quotidiano, também a sua linguagem poética
procura, na coloquial, matéria-prima.Manejando soberbamente o
adjectivo e o advérbio (nisso só Eça se lhe compara), consegue uma
feliz imagística que não pode buscar na lógica a sua explicação e que é uma descoberta de novas possibilidades de utilização da
linguagem.
Quando o autor nos relata um «um cheiro» como «salutar e honesto» ou se queija da sua «quimera azul de transmigrar» está não só a criar como a reinventar, descobrindo na Língua, património colectivo, novas formas de dizer.
Esse trabalho tem, no entanto, muito poco de espontâneo, já
que, segundo afirma -- «apuro-me a lançar originais exactos/os
meus alexandrinos [...]» --, há em toda a sua poesia um louvável
trabalho artesanal.
Aqui fica o livro de Cesário Verde. Que o leitor nele possa
encontrar a sátira e a denúncia dos dramas quotidianos e a beleza
de estar vivo e sabê-lo.
A JORGE VERDE a)
Aqui deponho em suas mãos e debaixo de seus lábios o livro de
seu irmão. A minha - obra - terminou no dia em que ele saiu da
nossa doce amizade para a nossa terrível amargura: morri, meu
querido Jorge -- deixe-me chamar assim ao irmão do meu querido
Cesário; morri para as alegrias do trabalho, para as esperanças
nos enganos doces! O desmoranamento fez-se, a um tempo, no
espírito e no coração! Dos restos do passado deixe-me oferecer-lhe
a dedicação extremada; peça-me o sacrifício: e, quando, no decorrer da vida, se lembrar de nós, tenha esse pensamento consolador:
«A grande alma de meu irmão soube impor-se a um coração
endurecido»; e tenha estoutro pensamento: «Mas não estava de
todo endurecido o coração que soube amá-la.»
Adeus, meu querido Jorge!
a) Irmão mais velho de Cesário Verde
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