terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

660 - «RESPONSO» - CESÁRIO VERDE

660

RESPONSO

             I

Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.

Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.

                II


É loura como as doces escocesas,
Duma belesa ideal, quase indicisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.

Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seus pecados.

                 III

Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansissimas do lago.

Pudesse eu ser a Lua, a lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.

                 IV

E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas rossoam uns suspiros
Dolentes como as  súplicas dos cegos

Fosse eu aquelas aves de pilhagem,
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.

                    V

E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
A contemplar as gôndolas airosas,
Que passam, a giorno iluminadas.

Pudesse eu ser o rude gondoleiro
E ali é que fizera o meu cruzeiro.

                  VI

De dia, entre os veludos e entre as sedas.
Murmurando palavras aflitivas,
Vagueia nas umbrosas alamedas
E acarinha, de leve, as sensitivas.

Fosse eu aquelas árvores frondosas,
E prendera-lhe as roupas vaporosas.

                 VII

Ou domina, a rezar, no pavimento
Da capela onde outrora se ouvia missa,
A música dulcíssima do vento
E o sussuro do mar, que se espreguiça.

Pudesse eu ser o mar e os, meus desejos
Eram ir borrifar-lhe os com beijos.

                VIII

E às horas do crepúsculo, saudosas,
Nos parques com tapetes cultivados,
Quando ela passa  curvam-se amorosas
As estátuas dos seus antepassados.

Fosse eu também granito e a minha vida
Era vê-la a chorar arrependida.

                IX

No palácio isolado como um monge
Erram as velhas almas dos precitos,
E nas noites de Inverno ouvem-se ao longe
Os lamentos dos náufragos aflitos.

Pudesse eu ser também uma procela
E as lentas agonias ao pé dela.

                    
                  X

E às lages, no silêncio dos mosteiros,
Ela conta o seu drama negregado,
E o vasto carmesim dos reposteiros
Ondula como um mar ensanguentado.

Fossem aquelas mil tapeçarias
Nossas mortalhas quentes e sombrias.

               XI

E assim passa, chorando, as noites belas,
Sonhando uns tristes sonhos doloridos,
E a reflectir nas góticas janelas
As estrelas dos céus desconhecidos.

Pudesse eu ir sonhar também contigo
E ter as mesmas pedras no jazigo.

                XII

Mergulha-se em angústias lacrimosas
Nos ermos dum castelo abandonado,
E as próximas florestas tenebrosas
Repercutem um choro amargurado.

Uníssemos, nós dois, as nossas covas,
Ó doce castelã das minhas trovas!

               Março, 1874

CESÁRIO VERDE
                

Sem comentários:

Enviar um comentário