quarta-feira, 26 de março de 2014

400 - POEMA DA VOZ QUE ESCUTA - POLÍBIO GOMES DOS SANTOS

400

POEMA DA VOZ QUE ESCUTA

Chamam-me lá em baixo.

São as coisas que não puderam-me decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase ao nível do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que dèbilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro -- a Vida.
Chamam-me lá em baixo;

Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
                                           (Voz que Escuta)
Políbio Gomes dos Santos

quinta-feira, 20 de março de 2014

399 - CANÇÃO DO LAGO SECANDO - Políbio Gomes dos Santos

399

CANÇÃO DO LAGO SECANDO

Pela noite da minha trágica aventura,
Meu sofrimento é achado que afago,
Se acordado, sofrendo,
E se a dormir, sonhando
Que sou lago.

Adeus, ó canas, cá me vou secando!
À míngua de nascente eu parto evaporado
Sem me var partir!

Ainda se os que passam pudecem beber-me
Sem tornarem a passar
Pra maldizer-me...


Ainda se a menina reclinada à minha beira,
Que tanto e tanto  me seduz ainda,
Viesse banhar-se 
E depois se afogasse em mim, violada e linda...

Ainda se eu
Profundo e vasto e longo,
pudesse ter no mapa mancha azul e portos

E ser útil à navegação...

Finando-mr abriria a justa e verdadeira cova
À minha sede e à minha  direcção.

Políbio Gomes dos Santos

quarta-feira, 19 de março de 2014

398 - DESENCONTRO - MÁQUINA DO MUNDO - ANTÓNIO GEDEÃO

398

             DESENCONTRO

Que língua estranjeira é esta
que me roça a flor do ouvido,
um vosear sem sentido
que nenhum sentido empresta?
Sussurro de vago tom,
reminiscência de esfinge,
voz que se julga, ou se finge
sentido, e é apenas som
contracenamos por gestes,
por sorrisos, por olhares,
rodeios protocolares,
comprimentos indigestos,
firmes apertos de mão,
passeios de braço dado,
mas por som articulado,
por palavras, isso não.
Antes morrer atolado
na mais negra silidão

MÁQUINA DO MUNDO


O Universo é feito essencialmente de coisa                                                                       [nenhuma
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etéria.
Espaço vazio, em suma,

O resto é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta forma aberta no vazio,
deve ser um intervalo.
                             (Máquina de Fogo)
António Gedeão

terça-feira, 18 de março de 2014

397 - ESCREVER UM LIVRO - SAÚL DIAS

397


ESCREVER UM LIVRO, CRIAR UM FILHO
             PLANTAR UMA ÁRVORE

Escrvi um livro.
Quantos anos a sonhá-lo,
a rascunhá-lo nas mesas dos cafés,
a escrevê-lo nos intervalos do emprego,
a vivê-lo,
a sofrê-lo,
na província, nas cidades...!

Criei um filho.
Tanta alegria no meu coração!

Só ainda não plantei uma árvore.
O frágil caule como protegê-lo?
Como não deixar que os bichos
maculem as pequeninas folhas?
E como dialogar com uma árvore-menina?
Agora vai sendo tempo.
Os anos já me pesam.
Amanhã vou plantar uma árvore.

Saúl Dias

segunda-feira, 17 de março de 2014

396 - XÁCARA DAS MULHERES AMADAS - MÁRIO SAA

396

XÁCARA DAS DAS MULHERES AMADAS

Quem muitas mulheres tiver,
em vez duma amada esposa,
mais se afirma e se repousa
para amar sua mulher;
quem isto não entender...
em cousas de amor não ousa,
em cousas d`amor não quer!

Quantas mais, mais se descança,
mais a gente serve a todas;
quantas mais forem as bodas,
quantos mais os pares da dança,
nenos a dança nos cansa
o gosto d`andar nas rodas.

Que quantas mais, mais detido
a cada uma per si;
nem cansa tanto o que vi,
nem fica o gosto partido;
ao contrário, é acrescido
a cada uma  per si!

No paladar de mudar
mais se sente o gosto agudo;
que amar nada ou amar tudo
é estar pronto a muito amar;
o enjoo vem de não estar
a par do nada e do tudo.

Mais fàcilmente se chega
pera muitas que pera uma;
e a razão é porque, em suma,
se esta razão me não cega,
quem quer que muitas adrega
é como tendo... nenhuma!

Com muitas descanço vem,
faz o desejo acrescido;
que é o mais apetecido
aquilo que se não tem;
e o apetite é o bem;
e em saciá-lo é perdido.

Também a mulher que tem
seu marido repartido
é mais gostosa do bem
que advém de seu marido!

Tão gostosa e recolhia,
tão pronta e tão conformada,
quanto o gosto é  não ter nada;
porque o gosto é ser servida
e não estar cotentada.
O gosto é cousa corrente,
e quem o tem já não sente
o gosto dessa corrida
que tê-lo, é cousa ... jasente...
que tê-lo, é cousa perdida!

Ora, pois, nesta jornada
não vi nada mais de amar
que ter muito por chegar
e cousa alguma chegada:
não vi nada mais de ter...
que ter muito que perder...
e cousa alguma ganhada!

(In Cancionriro do I Salão dos Independentes, 1930)

Mário Saa



395 - PASSOS PERDIDOS - RUY CINATTI

395
PASSOS PERDIDOS
(Carta para qualquer snrs deputrados)

Em Díli, num café, tantos de tal...

Venho aqui dizer
antes que seja tarde.
Disto sabem tudo
os metropolitas.
Ocultam-no -- também cá se sabe.

Timor pertence aos Timorenses.
tão portugueses
por causa dos padres
não necessariamente,
mas padres-pais, ou lá o que são ou não.

Parternidade
não é devoção,
Eu trato os Timorenses como amigo
... irmão
que me necessitam.
Cantigas!...
Não vale a pena sermos portugueses
filhos de padrasto
que justifica actos compulsivos
com pena jurídica,
et-caetera e pau.

Ora digam, digam...
de quem o interesse?
Da terra, da Gente,
ou de quem resolve?

O resto...está dito.
Os Timorenses valem por Timor
que nos divinisa!
Que desmerecemos -- sim-não ! ---
e Deus me salve!

A bem da Nação.

Àquele passeio, algures, na cidade de S.Bento.


Ruy  Cinatti

domingo, 16 de março de 2014

394 - RUY CINATTI

394

LARGO DE S. PAULO -- CAIS DO SODRÉ
     -- ACADEMIA DAS CIÊNCIAS
                             I
Grades cantantes
como vinho  dÁlsácia
guarnecido.
E um «olé», com a mão
desprevenido.

Passsamos pelas ruas.
Encontramos amigos.

«Vamos tomar um ponche
de
Supervielle»

«La cultura
es una cosa
rara.»

Tens razão.
«é um vinho
de marca!»

                            II

Com que fulgor tu comes
um bife
com batatas fritas

Filhos, adorno, divórcio
e a precisão das aflitas,
fruem nas tuas orelhas,
lantejoulas.

O teu cabelo é negro,
de tércio pêlo.

O teu corpo cansado
ulula pela nolite dentro,
entre marinheiros bêbados,
o chafariz número oito --
belo estilo italiano,
D. Maria --
e uma igreja fechada.

Tão longe, a voz suplicante,
ainda se houve
na praça iluminada.
  
                      III

Quando te cansares da vida,
vai ao cais e toma um barco.
E escreve uma conferência
para ser lida
entre os peixes imortais.


                    BORDA D´ALMA

O calendário foi comprido
à risca -- saiu certo.
Tive um tubérculo por junto,
entumescido.
mas saiu certo.

A culpa foi minha, que não soube
adubar bem.
Foi propício o clima. A culpa é minha,
de mais ninguém.

Vou experimentar novas mèzinhas.
Talvez cultive.
Com anos de pousio, um homem cresce.
Talvez me salve. 

Ruy Cinatti

393 - POEMA DO LIVRE ARBÍTRIO - ANTÓNIO GEDEÃO

393

Poema do livre arbítrio

Há uma fatalidade, intrínsica, insofismável,
inerente a todas as coisas e nelas incrustada.
Uma fatalidade que não se pode ludribriar,
nem, peitar, nem desvirtuar,
nem entreter, nem comover,
nem iludir, nem impedir,
uma falalidade fatalmente fatal,
uma fatalidade que só poderia deixar de o ser,
para ser fatalidade de uma outra maneira qualquer,

Eu sei que posso escolher entre o bem e o mal.
Eu sei que posso fatalmente entre o bem e o mal.

E já sei que escolho o bem  entre o mal e o bem.
Já sei que escolho fatalmente o bem.
como escolher o mal é escolher fatalmente mal.
O meu livre arbítrio
conduz-me fatalmente a uma escolha fatal.

António Gedeão

sábado, 15 de março de 2014

392 - POEMA DO HOMEM SÓ - ANTÓNIO GEDEÃO

392

POEMA DO HOMEM SÓ

Sós,
irremediàlmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
se ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros não se explicam;
arrefecem.

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de dentro se refracta,
nenhum ser de nós se transnite.

Quem sente o seu sentimento
sou eu só, e mais ningém.
Quem sofre o seu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços,
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concentro,
este oferecer-se de dentros
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entrgar-se,
descobrindo-se e desflorar-se,
é nosso, de mais ninguém.

António Gedeão


sexta-feira, 14 de março de 2014

391 - ANTÓNIO BOTTO - O BRINCO DA TUA ORELHA

391

«O BRINCO DA TUA ORELHA»

O brinco da tua orelha
Sempre se vai meneando,
Gostava de dar um beijo
Onde o teu brinco os vai dando.
Tem um topásio doirado
Esse brinco de platina.
Um rubi muito encarnado,
E uma outra pedra fina.
O que eu sofro, quando o vejo
Sempre airoso meneando !
Dava tudo por um beijo

Onde o teu brinco os vai dando.

António Botto

(»Tristes Cantigas de Amor «, in Canções)

390 - JOSÉ TERRA - ESTE POEMA RESPIRA - PIETÀ

390

«ESTE POEMA RESPIRA»

Este poema respira. Em seus flancos
circula o sangue por artérias novas.
Rasgo-lhe a boca e beijo-o. Dou-lhe os olhos
selvagens e esta inocência que é

a sua vida eterna. Entre os salgueiros
esconde o corpo e o sexo recentes.
Há um cheiro a resina, um cheiro vivo
e semem, sangue, suor, a flor carnívora.

Este poema é macho. Olhai seus músculos
retesos, suas ancas, seus artelhos,
seu sexo erecto, seu púbis, seus mamilos.

A primeira seta de sol fere-lhe os olhos.
Vede-o agora de rosto entre as mãos limpando
a sujidade materna com seu pranto.

                  PIETÀ

Deitada no silêncio,
sob o peso da noite mais ambígua,
intemporal de tanto o tempo a ter
prendido em seus liames,
Ela vela, Senhora do Abandono,
absorta e pálida em seu horto,
ainda de rosto grave e belo,
mãe por de mais humana para ser
mãe só do espírito, que esse corpo esbelto,
essa carne de sua carne -- o Filho,
as sombras o envolveram em seu seio.
                                                         (canto submerso)


José Terra

389 - OS JOVENS - NUNO SAMPAIO - o dia de inverno

389

                 OS JOVENS

Oh, cantemos as antigas colheitas do açafrão
E qualquer êxtase suave, rosa do eterno instante.

Oh, evoquemos nos nichos vazios dos templos
A música de luz polindo a brancura das estátuas.

Relampejar de tesouras sobre frontes submissas,
Jovens trilhando a primavera, e a roda girando.


                O DIA DE INVERNO


Oh, o dia do inverno,  espaço brando e puro.
Silencioso e diáfano, s em arestas nem peso.

Ò curto e infinito pálido dia de inverno,
Com veias azuis sulcando durezas\celestes.

O dia de inverno, de solidões empoadas,
Silhuetas exactas e fantásticos trilhos 
-- Deus de vidro tocando uma flauta de gelo.

Já viste as  íris da neve, flores de cristal,
Que o vento gela e o sol desfaz
Na flutuação branca da\neve tombando ?

NUNO SAMPAIO


quinta-feira, 13 de março de 2014

388 - ASCENSÃO AO MIRADOIRO DO KIANG - CAMILO PESSANHA

388

ASCENSÂO AO MIRADOIRO DO KIANG

Este altíssimo torreão abandonado foi outrora célebre.
Aqui plantou seus estandartes, ornados de dragões, o fundador da dinastia Han.
Defendia-o, como inultrapassável fosso, a virtude
do  rei ...Eram supérfluos os circundantes canais.
Faziam-lhe guarda as próprias tribos bárbaras.
De que serviriam muralhas de pedra ?

Hoje, como estão, a montanha esplende de régia
majestade.
Rolam do Kiang as águas; e céu e terra confundem as vozes outonais.

Da comoçâo que sente, assomando do alto, quem 
poderia ordenar o poema ?
Pavilhão novo, pavilhão novo ! -- de pungentes
mágoas milenárias ...

CAMILO PESSANHA



quarta-feira, 12 de março de 2014

387 - UMA CANÇÃO DESESPERADA - PABLO NERUDA


387

A CANÇÃO DESESPERADA

Emerge a tua lembrança desta noite em que estou.
O rio junta ao mar o teu lamento obstinado.

Abandonado com os cais na madrugada.
É a ora de partir, ó abandonado !


Sobre o meu coração chovem frias corolas.
Ó porão de escombros, feroz caverna de náufragos!

Em ti se acumularam as  guerras e os voos.
De ti bateram as asas os pássaros do canto.

Tudo devoraste, como faz a distância
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi                                                                           [naufrágio !

Era a hora alegre do assalto e do  beijo.
A hora do estupor que ardia como um farol.

Ansiedade de piloto, fúria de mergulhador cego,
Turva embriaguez de amor, tudo em ti foi                                                                            [naufrágio!

Na infância de névoa a minha alma alada e ferida.
Descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio !

Eu fiz retroceder a muralha de sombra,
Caminhei mais além do desejo e do acto.


Ó carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
Á ti nesta hora húmida evoco e faço um canto.

Como um copo albergaste a infinita ternura,
e o esquecimento infindo estilhaçou-te como um                                                                          [copo

Era a negra, negra solidão das ilhas,
E ali, mulher de amor, teus braços me acolheram.

Era a sede e a fome, e tu foste uma fruta.
Era a dor e as ruinas, e tu foste o milagre.

Ah mulher, não sei como pudeste tu conter-me
na terra da tua alma e na cruz dos teus braços!

Cemitério de beijos, ainda tens fogo nas tumbas,

ainda os cachos ardem debicados por pássaros.

Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos trançados.

Oh a cópula louca de esperança e de esforço
em que nós nos juntámos e n os desesperávamos.

E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra que quase nem nascia nos lábios

Foi esse o meu destino e nele viajou a vontade,
e nele caíu a vontade, tudo em ti foi naufrágio!

De tombo em tombo ainda chamejaste e cantaste.
Marinheiro de pé na proa dum navio.

Ainda floresceste em cantos, ainda rompeste em                                                                  [correntes
Ó porão de escombros, poço aberto e amargo.

Pálido mergulhador cego, desventurado fundeiro,
descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!

É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite prende a todos os horários.

O cinturão ruidoso do mar abraça a costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros

Abandonado como os cais na madrugada.
Apenas a sombra trémula se me torce nas mãos.

Ah mais além de tudo. Ah mais além de tudo.

É a hora de partir. Ó abandonado.

Pablo Neruda

386 - AGOSTINHO DA SILVA - UNS POEMAS DE AGOSTINHO

386


O nosso amigo Aristóteles
pouco sabia do estante 
e nadinha descobriu
a respeito do substante

muito mais vale Platão
pelo que ousou no vazio
mas decerto em seu concreto
cauteloso me não fio

por ser poeta inventou
o que também não sabia
e só lhe lamento um erro
ter criado academia



Ontem sonhei que sonhava
e me mantinha desperto
contente por me escapar
de um mundo que me era incerto

seguro porque voltava
ao que é lógico e real
à vida que firme sabe
do que é bem e do que é mal

quando tornei a dormir
já rompia a madrugada
e na clara luz não tinha
certeza alguma de nada.


AGOSTINHO DA SILVA

domingo, 9 de março de 2014

382 - QUANDO VOÇÊ ESTÁ VELHO - Yeats

382


QUANDO VOCÊ ESTÁ VELHO


Quando você estiver velho e cinza e cheio de sono,
E acenando pelo fogo, derrubar este livro,
E lentamente ler e sonhar com a aparência suave
Seus olhos tinham uma vez, e de suas sombras profundas;

Quantos amado os seus momentos de graça feliz,
E adorei a sua beleza com amor falso ou verdadeiro,
Mas um homem amou a alma peregrina em ti,
E adorei as tristezas de seu rosto mudando;

E curvando-se ao lado das barras brilhantes,
Murmurar, um pouco triste, como o Amor fugiram
E passeou sobre a sobrecarga montanhas
E escondeu o rosto em meio a uma multidão de estrelas.

W. B. Yeats

381 - Yeats - O VALE DO PORCO NEGRO

381

O VALE DO PORCO NEGRO

Lento cai o orvalho e juntam-se os sonhos:
                                                    [estranhas lanças
Súbito cruzam o meu olhar de acordado sonho,
O estrépito dos cavaleiros que tombam e os gritos
De desconhecidos exércitos moribundos golpeiam
                                                     [os meus ouvidos
Nós, que quando o dia se afoga no orvalho
Ainda trabalhamos junto ao dólmen da costa,
Sombrio sepúlcro da colina.
Fatigados dos impérios do mundo, ante ti nos 
                                                          [prostamos,
Senhor das tranquilas estrelas e da porta flamejante

W. B. Yeats

380 - -THE VALLEY OF THE BLACK PIG

380

THE VALLEY OF THE BLACK PIG


The dews drop slowly and dreams gather:unknown                                                                   [spears
Suddenly hurtle before my dream-awakened eyes,
And then the clash  of fallen horsemen and the cries
Of unknown perishing armies beat about my ears.
We who still labour by the cromlech on de shore,
The grey cair on the hill, when day sinks drowned
                                                          [in dew,
Being weary of the world´s empires, bow down to                                                                             you,
Master of the still stars and of the flaming door.



W.  B. Yeats


sábado, 8 de março de 2014

379 - A ILHA DO LAGO DE INNISFREE - William Butler Yeats

379

A ILHA DO LAGO DE INNISFRE

Partirei para Innesfree,
E aí uma cabana edificarei, uma cabana de argila e
                                                              [canas:
Plantarei nove renques de feijão e haverá uma colmeia,
E solitário entre o rumor das abelhas viverei.

Alguma paz desfrutarei, porque como lenta gota é a paz
Desprendendo-se dos véus da manhã  até ao lugar onde
                                                           [o grilo canta;
Eis aí a meia-noite de esplendor, o meio dia de
                                                        [fulgurante púrpura,
E uma plenitude de asas cantantes o entardecer.

Ergo-me e vou, parto com a noite, parto com o dia,
Oiço as águas do lago, o seu murmúrio junto à costa;
Seja pelos caminhos, seja pelas sombrias ruas,
Oiço esse murmúrio no mais fundo do coração.

W. B. Yeats



INNISFREE, LA ISLA DEL LAGO, de YEATS




sexta-feira, 7 de março de 2014

378 - A maior mentira da Humanidade

378

A maior mentira da Humanidade


377 - BALADA DA NEVE -- AUGUSTO GIL

377

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim ...
Será chuva ? Será gente ?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim ...

É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho ...

Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se houve, mal se sente ?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.

Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu
Branca e leve, branca e fria ...
-- Há quanto tempo a não via !
E que saudade, Deus meu !

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho ...

Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança ...

E descalcinhos, doridos ...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
-- Depois em sulcos compridos
Porque não podia erguê-los ! ...

Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim !
Mas as crianças, Senhor,

Porque lhes dais tanta dor ? ! ...
Porque padecem assim ? ! ...

E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza ...
-- E cai no meu coração.

Augusto Gil

376 - AGOSTINHO DA SILVA - UNS POEMAS DE AGOSTINHO

376
                                   
1 A quem faz pão ou poema
   só lhe muda  o jeito à mão
   e não o tema.


2  Antes teor que teorema
    vê lá se além de poeta
    és tu poema.

3
 Algum dia um novo Papa
    anunciará altivo
    que é Deus a raiz quadrada
    de um quantum negativo

4  E o Deus que tanto procuro

    em que atingido me afundo
    é aquele ser-não-ser
    do que acontece no mundo

 5  Da matéria mais que densa
     é que é divertido ser
     ali se nada acontece
     tudo pode acontecer.

Agostinho da Silva











segunda-feira, 3 de março de 2014

375 - REVOLUÇÃO - SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDERSEN

375

REVOLUÇÃO

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como  puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDERSEN
27 de Abril de 1974