sábado, 15 de março de 2014

392 - POEMA DO HOMEM SÓ - ANTÓNIO GEDEÃO

392

POEMA DO HOMEM SÓ

Sós,
irremediàlmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
se ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros não se explicam;
arrefecem.

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de dentro se refracta,
nenhum ser de nós se transnite.

Quem sente o seu sentimento
sou eu só, e mais ningém.
Quem sofre o seu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços,
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concentro,
este oferecer-se de dentros
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entrgar-se,
descobrindo-se e desflorar-se,
é nosso, de mais ninguém.

António Gedeão


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