sexta-feira, 2 de maio de 2014

423 - XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO - CARLOS DE OLIVEIRA

423

XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO

                 1
Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro
como a sorte quiz.

Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
num tambor de esperança.

Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.

No país que outrora
um conde teceu
com laranjas de oiro,
com sangue de moiro,
tudo apodreceu.

Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças da morte.

As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.

                2

Ama, estarás ouvindo
a história que vou contando?
Ó ama pátria dormindo
desde quando?

Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde cóleras e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando?

As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.

Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.

               3

Ó castelos moiros,
qrmas e tesoiros,
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que vento de agoiro
vos apodreceu?         

Há choros, ganidos,
há luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançan
quando os mochos amam
e as pedras choram.

Caravelas, caravelas,
mortas sobre as estrelas
como candeias sem luz;
e os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.

As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda, de rojo,
dançam voando, rasgando
a noite morta do povo
com as unhas, bicos de tojo.

                 4

E o tempo murchando
a luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros?

Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro

Ama, até quando?

Na noite das bruxas
o lume no fim
e o vento ganindo.

Ama, estarás ouvindo?

O lume no fim
e os homens dispersos.

Ama, tens frio;
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.

                              (Mãe Pobre, in Poesias, 2ª.ed. revista)

Carlos de Oliveira

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